Na produção imensa de Rui Barbosa, uma das mais extensas que se conhecem, as obras puramente literárias não ocupam a primazia. Terá sido ele um escritor? O próprio autor levantou o problema por ocasião de seu jubileu cívico, a que alguns quiseram chamar de “literário”. Num discurso em resposta a Constâncio Alves, enumerou singelamente as páginas destacadas de todo um imenso acervo, que poderiam justificar tal qualificativo: – O elogio do Poeta (Castro Alves), a oração do Centenário do Marquês de Pombal, o ensaio acerca de Swift, a crítica do livro de Balfour (incluído nas Cartas de Inglaterra), o discurso do Liceu de Artes e Ofícios sobre o desenho aplicado à arte industrial, o discurso do Colégio Anchieta, o discurso do Instituto dos Advogados, o Parecer e a Réplica acerca do Código Civil, as traduções homométricas de poemas de Leopardi, a tradução das Lições de coisas de Calkins, e alguns artigos esparsos de jornais.
A relação é visivelmente incompleta. Além das páginas que o Autor iria produzir nos quatro anos de vida que ainda lhe restariam, como os discursos daquele mesmo jubileu e a Oração aos Moços, estão omitidos pelo menos os discursos no opúsculo Visita à terra natal (1893), as outras produções reunidas nas Cartas de Inglaterra, o discurso a Anatole France, a despedida a Machado de Assis. Além do mais a produção jornalística puramente literária, a que o autor se refere genericamente como “alguns artigos esparsos de jornais”, daria folgadamente alguns volumes que ultrapassam a bagagem literária de muito homem de letras.
Mas a questão não é propriamente esta, a de discriminar na produção do Autor quais as obras que “pelo feitio, ou pelo assunto”, como diz ele próprio, assumem o caráter de produção literária, mas verificar se, no conjunto de suas produções políticas, jurídicas e religiosas, existe o toque artístico, isto é, o característico de obra estética ao lado da finalidade política, jurídica ou religiosa. E isto pareceu impossível de discussão no seu tempo e cada vez mais se firma no juízo da posteridade.
Os contemporâneos incluíram-no entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras sem sequer levantar semelhante questão. Elegeram-no, depois, presidente, com a cláusula da perpetuidade, da mesma instituição. A crítica não discrepou. Heráclito Graça considerou-o detentor do cetro das letras nacionais após os trabalhos sobre a redação do Código Civil; Constâncio Alves disse que a língua portuguesa atingia nele a “suprema perfeição”; João Ribeiro compara-o a Cícero; Nabuco refere-se ao “aço admirável de seu estilo” para considerá-lo “o escritor que dominou intelectualmente a sua época”; Sílvio Romero comparava-lhe a prosa à de Victor Hugo, porque tinha, como a deste, todas as modulações, todos os tons, todos os aspectos; Capistrano de Abreu, em perfil não muito ameno, exalta-lhe as qualidades de “orquestração” dos artigos. Não há antologia que não lhe registre algumas páginas e suas características de estilo já começam a ser objeto de estudos de fôlego. É fora de dúvida, assim, que o legado de Rui Barbosa compreende uma obra de arte, e das mais completas e de maior influência no meio.